Igreja: ranzinza ou sem ruga?

O contraponto da igreja velha e ranzinza que só reclama do presente, e da igreja sem ruga que percebe a necessidade que essa geração tem em ajudar o próximo.

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São tempos difíceis de ser igreja. O mundo não anda muito simpático à ideia de se ter uma religião. Ter algo a se acreditar até é popular, mas se esse algo vem cheio de dogmas inquestionáveis (o que não é algo bem cristão), de negação do que os outros acreditam (o que também não é lá muito cristão), de encher de compromissos uma agenda que já é cheia (o que, isso está ficando embaraçoso, não é cristão, afinal Cristo disse que seu fardo é leve) e tantos outros aparatos que soam como coisas do passado, esse algo a se acreditar soa mais como retrógrado do que uma boa nova ou uma causa nobre. Até parece que fé e religião são coisas que não soam bem juntas.

Se ter uma religião não é algo muito apreciado em nossos dias, ser um cristão certinho e arrumadinho também não é algo que ajuda na hora de pegar as meninas na balada (tá bom, mas não é pra isso que se vira cristão, ao menos não pra maioria).

Com o cristianismo impopular, a igreja apelo para seus (pobres) departamentos de marketing e tenta adaptar sua linguagem pra atrair os perdidos pra fazerem parte do seu círculo — com uma excessiva e cansativa falta de criatividade. Muda a roupa, muda o ambiente, muda a música (tem pastor aí que diz que houve até uma erotização da música gospel: se a música não der prazer, não é santa o bastante. O gozo cristão, aparentemente, vem em mantras de 3 acordes), muda a pregação com a intenção de atrair essa gente mundana para dentro do santo espaço igrejeiro.

Você faz uma cafeteria, até enche no começo, mas logo percebem que é uma igreja e o mundano grita: É uma cilada, Bino!, e todo mundo vai embora. Fazem uma balada gospel e até funciona, mas só vem crente, vira uma pescaria de aquário e nem tem prêmio de festa junina. Tentam tudo, mas parece que as pessoas “do mundo” facilmente percebem que isso tudo é uma armadilha e eles é que são a caça.

Essa igreja parece velha, cheia de ruga; é ranzinza, vive de um passado que nunca existiu e reclama do presente esquecendo que ela mesma é responsável pelo presente ser o que é. Como aquele senhorzinho da fila do SUS, reclama das crianças desobedientes de hoje em dia sendo que ele é pai dos pais dessas crianças. Ao invés de assumir a responsabilidade, que ele também faz parte do problema, ou de se perguntar porque as gerações mais novas fizeram tudo tão diferente da geração dele, esse senhorzinho cultiva carinhosamente em seu coração uma ideia de passado que nunca existiu.

Se você puxar assunto com esse senhorzinho em outras filas além da do SUS, vai ver nas entrelinhas que as coisas são um pouquinho diferentes do que a ideologia que ele tanto defende. As coisas que esse velhinho aprontou na infância e na juventude foram muito mais épicas e violentas do que as coisas eu sonhei em aprontar quando era menor. Suas encrencas eram maiores, suas brigas eram armadas, sua liberdade era diferente. E não é que seus pais não se importavam, seus pais acreditavam que esses atos eram parte do processo e que, pasmém, com o tempo ele se tornaria um cidadão regulado como todos.

Aí você muda o foco. Tira os olhos dessa igreja velha e ranzinza e vai praquela igrejinha de periferia, aquela que não tem voz em convenção nenhuma, aqueloa que nem o dízimo, nem o público representa algum interesse pra organização. Essa igrejinha viu que as crianças do bairro não tinham livros em casa e decidiu abrir uma biblioteca. Toda terça e quinta tem contação de história. A contação enche de criança. A igreja vive cheia. Até gente “do mundo” vem lá pra visitar. Sem roupa moderninha. Sem louvor erótico. Só se preocupando com a realidade.

Numa outra cidade uma igreja tinha uma dificuldade de pregar o evangelho pois uma parte considerável de seus membros não sabia ler. Decidiram dar aulas de alfabetização. No começo vinham só os membros da igreja; aos poucos foram surgindo curiosos e gente que nem era da igreja quis aprender a ler. Umas meninas de Ciências Sociais, avessas a qualquer tipo de religião, começaram a ajudar nas aulas. Ninguém sabe como elas ouviram falar que a igreja precisava de ajuda nem porque elas vem toda semana ajudar. Outra igreja cheia. Cheia de gente de tudo quanto é tipo. Até uns tipos de cabelo estranho que parecem nunca terem ouvido falar de gilete.

Aí você vê que os tempos nem são tão difíceis assim. Aí você vê que o problema é que o investimento de tempo é nas coisas erradas. Você vê que as pessoas é que cansaram de ficar sentadas no banco da igreja e decidiram se levantar pra fazer alguma coisa: seja ensinar, seja aprender. Enquanto a igreja reclama que as pessoas não querem mais ouvir, ONGs, crowdfundings e TEDs angariam gente a tentar tornar o mundo num mundo melhor.

Mas o velho ranzinza continua reclamando.

Kyrie eleison

A imagem que ilustra esse post é do espanho Pablo Picasso, se chama O velho judeu.

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