#ScholeQueÉ – Introdução à literatura poética e sapiencial hebraica #015

 

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Determinar a forma poética na literatura hebraica não é uma tarefa simples. Ao contrário da poesia da língua portuguesa, caracterizada pelas rimas, separação em versos, pontuação própria e linguagem metafórica, a poesia hebraica não tem pontuação, métrica ou ritmo que a distinga da prosa.

 

Ainda hoje há muita pesquisa em torno das características literárias da poesia hebraica, portanto podemos esperar novidades sobre os métodos de interpretação deste gênero literário que ocupa grande parte das páginas da Bíblia.

 

Livros como Salmos, Provérbios, Cântico dos cânticos e Lamentações de Jeremias são completamente poéticos quanto à sua forma literária. Grande parte de Jó e Eclesiastes são poéticos. Gênesis, Êxodo, Números, Deuteronômio, Juízes e Samuel contêm muitos trechos poéticos, principalmente os cânticos de vitórias sobre os inimigos dos israelitas.

 

Alguns livros proféticos, apesar do seu conteúdo exortativo, são produzidos, quanto à forma, de maneira poética. À exceção do cabeçalho e título, Obadias, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias estão estruturados desta forma. Apenas os livros de Rute, Esdras, Neemias, Ester, Ageu e Malaquias não contém nenhum trecho poético.

 

Apesar dos livros de sabedoria estarem na forma poética, eles são classificados de forma independente, pois os antigo hebreus consideravam sabedoria como observações cotidianas que formavam um conjunto de boas práticas para a vida.

 

A literatura sapiencial buscava, por meio de ditados curtos, regras da felicidade e bem-estar pessoal, além da especulação em torno da existência humana e seus problemas.

 

Classificamos os livros de Provérbios e Cântico dos Cânticos no primeiro grupo e os livros de Jó e Eclesiastes no segundo grupo. Alguns Salmos (1, 37, 49, 112) podem ser considerados como sabedoria especulativa e educacional bem como trechos de livros proféticos tais como: Is. 40:12-17; 21-26; Am. 3:10; 5:4,6,14.

 

 

Poesia e sabedoria no Antigo Oriente Próximo

 

Os hebreus herdaram dos povos vizinhos uma rica tradição na literatura de sabedoria e poética. Os escritos poéticos dos povos mesopotâmicos e egípcio são muito mais antigos do que os hebraicos. A literatura poética egípcia aparece por volta de 3200 a.C. e a Mesopotâmia possui registros sapienciais muito antes da época de Abraão. A poesia e literatura sapiencial hebraica tem início por volta dos séculos XIII ou XII a.C.

 

A influência da literatura mesopotâmica e egípcia nos escritos poéticos e sapienciais hebraicos é reconhecida por eruditos de todas as vertentes teológicas. O quadro abaixo demonstra as semelhanças entre o hino do Sol de Aquenaton e o Salmo 104:

 

Hino de Aquenaton Salmo 104:25-26
Os navios rumam para o norte e também para o sul,Pois todos os caminhos se abrem com tua manifestação.

Portanto, os peixes do rio fogem diante de tua face,

Teus raios estão no meio do grande mar verde.

Eis o mar, imenso e vasto e nele vivem inúmeras criaturas, seres vivos, pequenos e grandes.Nele passam os navios, e também o Leviatã, que formaste para com ele brincar.

HILL, WALTON. Panorama do Antigo Testamento. p. 337.

 

Outras semelhanças se observam na literatura suméria antiga (1900 – 1600 a.C.) em seus hinos e orações poéticas:

 

Por ignorância comi o que era proibido por meu deus,

Por ignorância pisei o que era protegido por minha deusa.

 

Mesmo as narrativas de fatos mais antigos, como a Criação e o Dilúvio, tem seus pares na literatura babilônica tal qual o Enuma Elish e o épico Gilgamés respectivamente.

 

Ademais, a literatura poética cananéia, anterior à hebraica, possuia cabeçalho, subtítulo e também anotações musicais. Portanto conclui-se que a poesia hebraica também herdou elementos cananeus em sua estrutura literária.

 

Inclusive podemos perceber nos textos hebraicos elogios à tradição poética do Antigo Oriente Próximo:

 

  • Egípcios – Êx. 7:22; 1 Rs. 4:30
  • Edomitas e árabes – Jr. 49:7; Ob. 8
  • Babilônios – Is. 47:10; Dn. 1:4

 

Percebemos na literatura sapiencial do Antigo Oriente Próximo um grande interesse em temas existenciais, tais como:

 

  • Sentido da vida
  • Mistério da vida e morte
  • Realidade do sofrimento, dor, injustiça e mal

 

Estes interesses em comum levaram ao intercâmbio das estruturas literárias entre os povos que viviam nessa região. Porém, contrariamente aos demais povos que adoravam outros deuses a literatura de sabedoria hebraica incluia os seguintes elementos em seus textos:

 

  • Negação de outros deuses e reconhecimento apenas de Javé (Pv. 22:17-19)
  • Negação do materialismo (a matéria era criação divina)
  • Negação do panteísmo (pois Javé estava acima da Criação)

Negação do dualismo (a criação de Deus era boa no início)[/tab][tab title=”Estrutura”]

Estrutura literária da poesia hebraica

 

1. Estrutura de pensamento:

 

Paralelismo de palavras 1. Sinônimos:Salmos 24:2 – pois foi ele quem fundiu-a sobre os mares

e firmou-a sobre as águas.

 

2. Opostos:

Salmos 37:16 – Melhor é o pouco do justo

do que a riqueza de muitos ímpios.

Paralelismo de sequência lógica 1. Causa e efeito:Salmos 37:4 – Deleite-se no Senhor

e ele atenderá os desejos do seu coração.

 

2. Explicação:

Salmos 5:10b – Expulsa-os por causa dos seus muitos crimes

pois se rebelaram contra ti.

 

2. Sonoridade da poesia hebriaca

 

Acróstico As letras iniciais de cada verso começam com cada uma das letras do alfabeto hebraico. O Antigo Testamento contém treze poemas acrósticos: 

  • Salmos 9, 10, 25, 34, 37, 111, 112, 119, 145
  • Provérbios 31:10-31
  • Lamentações 1 a 4

 

Este método servia de instrumento de fácil memorização na antiguidade.

Uniformidade sonora A poesia se utiliza de palavras com sons semelhantes para expressar uma idéia completa. A tradução não consegue transpor este obstáculo literário 

Transliteração: sha‘lû shelôm yerûshalayim

Tradução: Orem pela paz de Jerusalém

Jogo de palavras (trocadilhos) Os escritores bíblicos se aproveitam de palavras com som parecido, mas sentidos diferentes e até opostos. 

Amós viu um cesto de frutas (qayits) e anunciou o fim (qets) da nação de Israel. Am. 8:2

 

Jacó previu que Judá (yehûdâ) seria louvado (yôdukâ). Gn. 49:8

 

Isaías concluiu de forma magistral a “canção da vinha” (5:7b)

 

Ele esperava justiça [mishpat]

Mas houve derramamento de sangue [mispah]

Esperava retidão [tsedaqâ]

Mas ouviu gritos de aflição [tse`aqâ]

Onomatopéia São palavras que imitam os sons e ruídos naturais. A poesia hebriaca usou este recurso literário em Salmos 68:8 para registrar o som do “trovão” (ra’am) e o galopar dos cavalos em Juízes 5:22 (dahaarot dahaarot)

 

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A concepção de sabedoria dos hebreus

 

A sabedoria hebraica, e do oriente em geral, vem da observação da vida e a necessidade de lidar com seus diversos problemas e situações humanas.

 

A idéia é que a experiência, trazida pelos muitos anos vividos, pode servir de guia para as gerações seguintes. Por isso, grande parte da literatura hebraica é produzida sob a forma de instruções práticas.

 

Porém, a sabedoria hebraica diferenciava-se das demais por partir do princípio que a sabedoria provém de Deus (Jó 12:13; Pv. 2:5-6; Is. 31:1-2). Esta sabedoria manifestava-se de duas formas na vida dos hebreus:

 

  • na vida emocional e espiritual – representada pela poesia no Antigo Testamento
  • na vida corporal e prática – representada pela sabedoria no Antigo Testamento

 

O termo sabedoria também é empregado no Antigo Testamento para habilidades manuais e intelectuais diversas:

 

  • Bezalel e Oliabe  receberam sabedoria artística para fazerem os utensílios do tabernáculo (Ex. 31:1-11)
  • O trabalho arquitetônico de Salomão também é chamado de sabedoria (1 Rs. 5:9-18)
  • O trabalho manual de artesãos também são classificados de sabedoria (1 Rs. 7:14)
  • O lado filosófico e intelectual, também como sinônimo de “capacidade mental superior”  (1 Rs. 4:29-34)
  • A forma neutra do termo sabedoria na conspiração de Jonadabe e Absalão (2 Sm. 13)
  • Como sinônimo de experiência e bom senso (Jó 32:7; Pv. 1:7)

 

Forma literária

 

O sábio era um personagem importante no período da monarquia em Israel. Junto com o profeta e o sacerdote compunha a fonte de orientação dos reis (Jr. 18:18; Ez. 7:26)  e faziam parte da corte real (2 Sm. 8:16-18; 20:23-26; 1 Rs. 4:1-6).

 

Há dois tipos básicos de sabedoria do ponto de vista literário no Antigo Testamento:

 

  • Sabedoria didática –  o livro de Provérbios é o melhor exemplo, pois representa instruções práticas.
  • Sabedoria filosófica – representada pelo livro de Eclesiastes e em certa medida pelo livro de Jó, pois propõe críticas e reflexões interrogativas e por vezes pessimista.

 

Quanto ao tipo de discurso podem ter as seguintes variações:

 

  • Parábola –  um discurso preventivo – Pv. 6:20-35
  • Preceito – regras e valores com princípios religiosos e éticos – Pv. 3:27
  • Enigma – pergunta que exige raciocínio e discernimento – Jz. 14:14
  • Fábula – breve conto com personagens da natureza que contém uma verdade moral – Jz. 9:7-20
  • Provérbio numérico – apresenta progressão numérica com clímax – Pv. 6:16-19; 30:18-31
  • Pergunta retórica – uma pergunta que não necessariamente exige uma resposta – Pv. 5:16; 8:1
  • Alegoria – a personificação da sabedoria, com existência própria – Pv. 8 e 9; Ec. 12:1-8
  • Sátira – uso do sarcasmo para atacar algum comportamento humano – Pv. 11:22
  • Ironia – dizer o contrário do realmente significa para enfatizar uma verdade – Ec. 5:13-17

 

Conteúdo teológico da sabedoria

 

Teodicéia

 

Os livros de sabedoria enfatizam muitos aspectos corriqueiros do ser humano, porém Eclesiastes e Jó focalizam principamente a teocdicéia, que é o problema do mal no mundo e a ação de Deus diante deste. Alguns temas são:

 

O sofrimento, pobreza e injustiça social – Jó 21:7-26

A prosperidade dos ímpios – Ec. 8:14-15; 9:11-12

A realidade do mal e da morte – Ec. 9:1-6

A vida após a morte – Ec. 3:16-22

O propósito desta vida – Ec. 4:1-3

 

Justiça retributiva

 

A justiça retributiva, isto é, recompensas ou castigos divinos de acordo com a obediência ou desobediência do ser humano, é um tema comum nos livros poéticos e de sabedoria no Antigo Testamento.

 

São baseados em Deuteronômio 28 e fazem parte do tratado da Aliança de javé com o povo hebreu. Este tema será estudado oportunamente nos livros poéticos e de sabedoria do Antigo Testamento (Jó – Salmos – Provérbios – Eclesiastes).

 

Didática

 

A instrução didática contida nos livros de sabedoria são baseadas na ética da Aliança (Lei, Torá) firmada entre Javé e o povo hebreu. Portanto, principalmente no livro de Provérbios os assuntos tratados abrangem o conteúdo da Lei, tais como: relacionamentos familiares (23:22-25), retribuição e disciplina (3:12; 28:10), amizade (17:17); controle da língua (26:18-28), casamento e adultério (5:1-23), pobres e necessitados (14:21-31), o sábio e o insensato (18:1-16), o diligente e o preguiçoso (26:13-16), embriaguez (23:29-35), vida e morte (13:14), ira (29:22), soberania (20:28), etiqueta (25:2-7), dívidas (11:15), sabedoria (1:7) e o temor do Senhor (2:5-6).[/tab][/tabs]

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Milhoranza

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